A prática do jiu-jitsu, um modelo de luta livre, foi trazida ao Brasil pelo conde japonês Maeda Koma no período da I Guerra Mundial e repassada à família Gracie, que o adaptou ao país, com algumas modificações. O objetivo principal de cada um dos lutadores é a queda do oponente e sua imobilização.
No Brasil, o jiu-jitsu desenvolveu-se e adaptou-se com enfoque nas técnicas de luta de solo, agarramento, projeções, imobilização e chaves com movimentos em alavanca, torção e estrangulamento, sem o uso de golpes diretos com mãos, pés ou outras partes do corpo.
Pelo fato de não ser utilizado golpes diretos, como citados anteriormente, a maioria dos praticantes não consideram necessário o uso de protetores bucais. Acredita-se que o uso deve se limitar apenas a esportes considerados por eles como "mais agressivos˜, como por exemplo o boxe.
Durante o ano de 2018, participei de uma pesquisa com lutadores de esportes de combate, após assistir treinos e conversar com vários praticantes de jiu-jitsu, observei que a maioria afirmava que era uma esporte ˜tranquilo˜, que não necessitava o uso de protetores e além disso, quando usavam o dispositivo (algumas competições e centros de lutas exigiam) usavam mal adaptados e faziam força entre os dentes para o mantê-lo em posição, forçando músculos faciais podendo causar prejuízo aos mesmos.
Por mais que existam essas crenças, o jiu-jitsu é um esporte de contato, que exige do seu praticante exposição de todo o seu sistema estomatognático ao adversário, fazendo com que os praticantes dessa modalidade tornem-se um grupo bastante susceptível a alterações, disfunções e lesões bucomaxilofaciais.
Os traumatismos e lacerações decorrente da prática de luta livre é bastante prevalente, pois praticantes de todas as idades, gêneros e níveis de habilidade estão em risco durante a atividade esportiva. Contudo, há vários estudos que comprovem que esses tipos de lesões podem ser prevenidas através do uso de protetores bucais.
Os protetores bucais são dispositivos intraorais resilientes que são utilizados com o objetivo de minimizar as chances de danificar o sistema estomatognático. Podem ser confeccionados em diferentes materiais, eles ajudam a absorver o choque por um golpe na face, mantendo os tecidos moles afastados dos dentes e evitando contato violento entre os antagonistas.
Entretanto, para ter eficácia, o protetor deve estar bem adaptado a cavidade bucal. Ou seja, o protetor não deve deslocar por motivos de impacto ou movimento do atleta e ainda deve permitir que este consuma líquidos, respire facilmente e fale sem precisar retirá-lo.
A Academy for Sports Dentistry (EUA) categoriza os protetores bucais em: tipo I (estoque); tipo II (termoplástico); e o tipo III (personalizado). Onde o tipo III, é o único com indicação e embasamento cientifico.
Um estudo realizado na Universidade Federal da Paraíba - Brasil, em 2016, constatou que a grande maioria dos atletas de jiu-jitsu (62,6%) não utilizavam protetor bucal.
Dos que faziam uso, 3% utilizavam o tipo I, 97% o Tipo II e (se choquem) 0% utilizava o tipo III.
Considerando o histórico de lesões no sistema estomatognático, 80,4% dos atletas relataram que já sofreram algum tipo de injúria em face. Destas, 78,5% ocorreram apenas durante os treinos; 20,8% em ambas ocasiões (treino/competição) e 0,7% foram restritas à competição.
Dos 126 indivíduos acometidos por laceração em mucosa, foi relatado um total de 217 lacerações, com a maioria ocorrendo em lábios (85,7%), principalmente o inferior. Foram relatados um total de 208 abrasões cutâneas em face, estando as mesmas localizadas, principalmente, na região de bochechas (34,2%) e região de órbitas (27,8%). Em relação às lesões ósseo-traumáticas, as mais prevalentes foram as contusões, tanto relatadas pelos atletas, quanto no exame físico realizado.
Então, podemos observar que o jiu-jitsu não é "tranquilo" como os atletas pensam, pois possui uma grande prevalência de traumatismos.
A ADA recomenda o uso do dispositivo em 29 modalidades esportivas, contudo, no Brasil, sua utilização é obrigatória apenas no boxe, mas mesmo no boxe, existe uma deficiência no controle de qualidade desses protetores, onde segundo estudos a maioria utilizam protetores termoplásticos, ou seja do tipo II (assim como no jiu-jitsu). A grande utilização desses protetores se deve ao baixo custo, mesmo não tendo comprovação científica de que o mesmo tenha capacidade de absorver impactos.
Acredito que além do custo, outro fator responsável seja a falta de informação sobre a importância do uso, e mais do que isso, a importância do uso de um protetor que realmente cumpra seu objetivo de proteção.
Terminamos o artigo, cientes da nossa responsabilidade como cirurgiões-dentistas do esporte, de levar o conhecimento sobre os riscos de traumatismos durante a prática de esportes (não somente o jiu-jitsu) e orientar o atleta sobre o uso de protetores adequados, que garantam a proteção sem causar desconforto.
REFERÊNCIAS
FILHO, ROBECI ALVES MACÊDO. Prevalência e fatores associados a lesões orofaciais em praticantes de jiu-jitsu em uma população paraibana. PB2016. Universidade Estadual da Paraíba. CAMPUS VIII – Professora Maria da Penha – Araruna. Centro de ciências, Tecnologia e saúde. Odontologia - Defesa de TCC.
RODRIGUES-JÚNIOR, N.S.R.; SILVA, N.C.R. A ocorrência de lesões na prática de jiu-jitsu em academias de Floriano-PI. UNOPAR Cient.Cie.Biol.Saúde, v. 16, n. 1, p. 25-28, 2014