Autor: Lucas Berard
Mestrando em Prótese e Reabilitação Bucomaxilofacial - USP
Dentista do Santos Futebol Clube
Muitas histórias são conhecidas e se repetem quando falamos sobre o início da trajetória futebolística de alguns atletas. A grande maioria sai de casa muito cedo, deixando seus familiares, entes queridos, suas vidas e vão em busca de um sonho em comum: se tornar jogador de futebol profissional.
Passam dias e até meses longe de casa, fazendo testes (as chamadas “peneiras”) nos mais diversos cantos do Brasil afora, sem saber sobre o seu futuro, lugar onde estará daqui a um tempo, em qual clube vai estar (se é que será contratado por algum...), sem família, amigos, sozinho em busca da conquista do mundo do futebol. A concorrência é enorme e a disputa, bastante acirrada.
Garotos do país inteiro entre 9 e 10 anos de idade (ou menos) que entram para uma batalha de “gente grande”. Mais de 50 meninos disputando por uma única vaga. Apenas 1 será selecionado para fazer parte de uma instituição futebolística.
Muitos desses garotos carregam não só a adrenalina e ansiedade por tentar alcançar um sonho, mas também o fardo e o peso de proporcionar à sua família uma condição de vida melhor. A base familiar desses meninos é, em grande parte, limitada e incipiente! Não só em nível econômico, mas também nos aspectos sociais, culturais, éticos e morais. Pais que não têm condições de oferecer uma educação de boa qualidade e, que frequentemente, passam por grandes dificuldades na infindável missão de sustentar a casa.
Quantos sonhos poderão ser em vão? E mesmo o menino que se destacou na preleção e foi selecionado para treinar em um clube de futebol, não terá vida fácil daqui pra frente; talvez ele terá um sonho um pouco mais fomentado, mas que poderá se esvair a qualquer momento como todos os demais concorrentes o tiveram precocemente.
Daqui pra frente, este garoto terá que brigar por uma das coisas mais difíceis, não só do futebol, que é manter aquilo que foi conquistado e alcançado. Serão dias intensos de treinamento, viagens, pouquíssimo tempo com a família, poucas vezes voltará pra casa e a adaptação e disciplina serão fundamentais para o sucesso, assim como em quase tudo na vida.
O clube, por sua vez, irá oferecer tudo a esta “jóia”: estudo, atendimento médico e odontológico, cuidados com a nutrição, fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, acompanhamento com a fisiologia, etc. Toda a atenção com a saúde geral que ele provavelmente não teria se não fosse proporcionado por uma instituição como essa.
Feito o primeiro contrato profissional, o atleta já começa a trilhar seu caminho, com potencial interesse de um clube grande, maior possibilidade de oferecer boas condições de vida à família e maior projeção ao alcance de seus objetivos pessoais.
O atleta começa a ganhar destaque, recebe proposta de um clube de futebol “de ponta”, assina o primeiro contrato (talvez por um período longo) com grande potencial de evolução e de trazer grandes conquistas à instituição.
Imaginemos a seguinte situação: após poucos meses de contrato, esse atleta é flagrado no exame anti doping, é julgado e suspenso por 2 anos (tempo médio definido pela WADA como forma de punição aos atletas por doping).
Existem casos de doping isolados, peculiares e pontuais, mas até que ponto a justificativa de “atingir melhor performance” pode transcender os aspectos morais e éticos?
É compreensível que a concorrência acirrada no meio do futebol pode (e deve) sempre acalorar a busca incessante pela evolução e pela melhora do rendimento e, consequentemente, do desempenho dentro de campo. Mas por vias ilícitas? Por meios intangíveis ao “Fair Play”? Pela violação das regras da entidade maior anti doping, a WADA, jamais o abuso de drogas poderá ser admitido.
E como fica o Clube que investiu valores astronômicos nesse atleta?
Os patrocinadores, o staff, a diretoria, todos que acreditaram no potencial que o mesmo poderia render à instituição. Sem contar todo o amparo e apoio fornecidos a este profissional, suprindo suas dificuldades econômicas e sócio culturais, zelando pela sua saúde maior e lhe oferecendo tudo de melhor e as condições para que este pudesse tornar-se atleta profissional e tivesse visibilidade nacional e internacional.
É indelével de que se trata de uma questão multifatorial presente nesse processo: o envolvimento dos pais nas atitudes e formação do atleta, o conhecimento técnico científico do médico e cirurgião-dentista do clube (no que se refere à prescrição relacionada à terapêutica medicamentosa), a pressão do treinador pela obtenção de resultados satisfatórios dentro de campo, a concorrência com os demais atletas de equipe, exigências de patrocinadores, o interesse de empresários.
Mas as questões éticas também permeiam, na maior parte, a atitude do próprio atleta quanto à sua conduta moral, no sentido de saber distinguir o que é o certo e o errado e seguir o caminho do que é o correto, não só pelo próprio zelo, mas pela consciência do clube/instituição que está por trás das decisões assumidas pelo atleta profissional e das consequências no âmbito esportivo e judicial que poderão surgir e trazer prejuízos para ambos, tanto para o atleta quanto para o clube e os demais envolvidos.
Vale a reflexão!
REFERÊNCIAS:
Brendan Hutchinson, Stephen Moston and Terry Engelberg (2015) Social validation: a motivational theory of doping in an online bodybuilding community, Sport in Society, 21, 2, (260-282), DOI: 10.1080/17430437.2015.1096245.
McNamee, M.J. (2009) Beyond consent: The ethics of pediatric doping.
Journal of the philosophy of sport, 36, pp. 111–126.
WADA-AMA. World Anti-Doping Agency. WADA, Antidoping. 2013.
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